UM ESTRANHO SEDUTOR
JULIA JUSTISS
GRANDES ROMANCES HISTORICOS EDIÇÃO 15°
Prólogo
Sudley Court, Primavera, 1808, Apolo surgiu cavalgando pela estrada de Sudley.
Ou assim pareceu a Caragh Sudley, a mão protegendo a vista e a respiração sufocada no peito ao franzir os olhos ante o sol da manhã para observar o cavaleiro solitário que trotava ao longo da trilha de cascalhos na direção de Sudley Court. Ela estava retornando à mansão após o passeio do alvorecer quando o ruído de cascos que ressoavam na plácida brisa matinal atraiu-a para a entrada principal. De início, apenas curiosa quanto à identidade do visitante inesperado, conforme o homem aproximou-se mais paralisada ficou de deslumbre perante a beleza absoluta de ambos: corcel e cavaleiro.
Os pálidos raios solares espargiram um halo dourado ao redor da cabeça descoberta do cavalheiro, tornando os cabelos louros resplandecentes tal qual o astro-rei em pessoa chegasse com pompa e circunstância, a biga substituída pelo áureo encanto de um alazão. O fulgor por detrás deles lançava o rosto do cavaleiro na penumbra e delineava em alto relevo o largo eixo dos ombros e braços que agora forçavam o garanhão a estacar. Ela balançou a cabeça, porém aquela estonteante primeira impressão recusou-se a desvanecer até a normalidade. De constituição vigorosa, o soberbo animal que agitava a cabeça numa impetuosa reação ao comando do cavaleiro, a pelagem areia ondulante, era magnífico, e o homem que agora saltava da sela não o era menos.
Uma casaca verde-escura de montaria estendia-se ao longo dos ombros e do culote ocre moldado sobre as coxas musculosas, ao passo que a menor distância ela logrou discernir que os cachos louros possuíam nuanças de rubi mescladas ao ouro. Os olhos, não mais nas sombras no momento em que ele desmontou voltado na sua direção, eram de uma tonalidade azul-turquesa tão cativante e incomum que outra vez ela prendeu a respiração. As feições bem talhadas do rosto - queixo tenaz, pômulos altos, lábios firmes, o nariz escultural cuja ligeira falta de prumo acrescentava um intrigante sinal de personalidade a um semblante que do contrário talvez afetasse apenas uma perfeição glacial - somente confirmaram a sua percepção inicial.
Era Apolo, a toga romana atirada ao léu para adotar a aparência de um cavalheiro bretão do interior. Acaso pusesse os olhos nele, sua irmã Ailis certamente sairia em busca da paleta e das tintas. Caragh sorriu de leve ante a idéia da imperiosa irmã ordenando isto e aquilo ao homem até fazê-lo posar a contento. E, então, percebeu que aquele ideal de perfeição olimpiana aproximava-se dela - nada mais que Caragh Sudley ali de pé, ainda boquiaberta de arrebatamento, a face emoldurada por mechas de cabelo que caíam do coque no qual ela as retorcera com capricho, o saiote do velho, surrado traje de montaria generosamente encharcado de lama. Fechou a boca com um estalo, sentindo o rubor abrasador
aflorar nas faces, mas como o visitante já a avistara, ela só faria um papelão mais ridículo acaso fugisse. Que infortúnio, tal pensamento impulsivo ocorreu-lhe ao tentar raspar os maiores blocos de lama com sutileza e evocar um sorriso amigável que, ao contrário de Daphne, a ninfa que escapou às investidas amorosas de Apolo, ela não fosse capaz de convenientemente transformar-se em árvore.
- Bom dia, senhorita - disse o visitante, curvando-se.
- Bom dia para o senhor, também, milorde - replicou, admirada ao descobrir que a voz ainda funcionava.
- Poderia ter a bondade de confirmar se cheguei a Sudley Court? Preciso visitar o barão.
- Trata-se de meu pai, milorde. Deverá encontrá-lo na biblioteca, Pringle, o nosso mordomo, irá conduzi-lo até lá. Ele sorriu, exibindo apenas um indício de covinhas.
- Obrigado pela gentileza, srta. Sudley. Espero ter... Antes que lograsse completar a frase, a irmã emergiu da aléia no jardim atrás deles, um rapazote atulhado com um cavalete e a caixa de tintas nos seus calcanhares.
- Caragh! Aquela minha encomenda de Londres já chegou?
Caragh aguardou um momento, porém a irmã não prestou atenção ao recém-chegado.
- Então, chegou?
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